sexta-feira, 30 de junho de 2006

Não é esta a Carta Educativa que se impõe

A defesa e dignificação do poder local passam pelo aumento das suas competências de modo a corresponder ao princípio da subsidiariedade: Quem está mais próximo dos problemas e tiver capacidade para os poder resolver deve assumir essa responsabilidade.
Assim têm agido, digamos que com certo custo, o poder central, de modo que às Câmaras não sejam atribuídos somente os assuntos de alcatrão e cimento, de saneamento e água, de jardins e feiras.
Esta oportunidade, que nos é dada agora com a Carta Educativa, tem de ser aproveitada no sentido de provar que a merecemos e que estamos à altura da tarefa que nos é dada.
Esta é a primeira carta educativa e só por isso haverá alguma desculpa para que ela não corresponda àquilo que era desejável. Mas se nós quisermos mostrar que somos capazes deveríamos fazer um esforço à altura da sua importância.
Argumentar-se-á que o Executivo Camarário não tem as pessoas competentes para o efeito, que a Câmara não tem técnicos preparados, que a opinião pública não ajuda, não é participativa e está demasiado presa a capelas.
Tudo isso é verdade e para complicar há interesses legítimos e outros menos legítimos envolvidos nesta questão; há forças imobilistas que se comprazem em que nada mude e tudo fique como está. Mais diria que a força da incompetência gera o imobilismo.
Depois não se compreende que o Governo dê a competência à Câmara, esta a relegue para a Valimar e esta contrate uma firma de Lisboa. Onde está a descentralização. Não é isto que nós queremos.
Se fosse o Ministério a fazer uma coisa destas, caía o Carmo e a Trindade: eram uns centralistas, elitistas e outras coisas mais. Como é a Câmara a remeter para uma firma da Capital, desligada da realidade local, conhecedora do meio só por mapas e indicadores, mas pronta a fazer todos os arranjos e mais um, está tudo bem. Nunca mais aprendemos.
À Câmara exigia-se maior empenho, como aliás a todos nós. Não no sentido de meter cunhas, de satisfazer vaidades superficiais. Não no sentido de enganar o futuro à velha maneira do passado. Mas sim no sentido de ter uma leitura mais adequada daqueles indicadores e um conhecimento mais próximo da realidade.
Um pretenso tecnicismo apolítico não é a melhor maneira de abordar as questões mais complicadas. Ao deixar muita coisa numa indefinição e incoerência atroz, esta carta não é um documento de planeamento eficaz. Abre o caminho a todos os arranjos de bastidores.
“O deixar andar que depois vê-se” não é legítimo. Se se pretende ganhar tempo à custa do tempo das nossas crianças não é legítimo. Muito menos que se pretenda esconder desta maneira a necessidade manifesta de satisfazer clientelas.
Assim se revela o medo que o Sr. Presidente da Câmara tem em relação a alguns barões do seu próprio partido, a arrogância de quem é avesso à contestação alheia.
A nossa situação presente exigiria uma visão mais ousada, dado o nosso deficit. Os resultados são fracos e as suas consequências na vida futura são desastrosas. Estamos no nível mais baixo em relação ao sucesso seja pessoal, académico ou profissional.
O nosso futuro será cinzento se não dermos um passo de gigante para fugir à ruralidade, para melhorar a empregabilidade dos nossos jovens, para os tornar mais competitivos num mundo cada vez mais agressivo, para fazer subir os níveis de literacia e cultura.
Pelo contrário vai continuar o abandono, o insucesso, o analfabetismo funcional e a baixa frequência universitária. Não se apontam nem metas ousadas, nem meios para as atingir.
Nada de significativo é proposto para anular o nosso atraso. Assim estamos condenados a continuar a senda de há séculos: de sermos exportadores de mão-de-obra barata.
Se a Carta Educativa se enreda em banalidades do tipo de assinalar a “necessidade de desenvolver projectos educativos adaptados à realidade local e definidos com a participação da comunidade”, parece pretender-se a desresponsabilização de quem não tem ambição ou manifestamente nos quer manter no atraso.
O exemplo mais evidente desta política é a profissionalização por via escolar que só cá chegou precisamente pela área em declínio que é a agricultura. È necessário ver mais além.
Nós podíamos trabalhar sem uma carta educativa, sem um documento de planeamento. Mas isso é como regressar da contabilidade planificada às contas de mercearia. Sempre haverá quem goste disso.
Nós precisamos deste documento de responsabilização política, como orientador da acção do Executivo. Só que para isto, como compromisso político e normativo, este documento de pouco serve.
A Câmara vai continuar a projectar em cima do joelho. E nós vamos ter de continuar a aferir o trabalho da Câmara pelo que fizer ou deixar de fazer, tendo por referência a lei e as nossas propostas.
Esta Carta Educativa é válida por 5 anos mas a sua repercussão pode fazer-se sentir nos próximos cinquenta. A ficar como está, os seus efeitos nefastos perdurarão por muito tempo. Por isso a nossa contestação já, que ontem era tarde.
Acho que houve aqui uma forma assaz leviana de tratar esta questão. Como se diz agora, eu não me importo que façam de mim muito burro para que me expliquem com que bases esta questão foi tratada.
Quem teria escrito que em caso de possível saturação da EB 2/3 António Feijó, se apontaria para a construção de umas salinhas no C.E. da Ribeira ou Feitosa para o 2º ciclo.
Constroem-se centros de 10 salas para o 1º. Ciclo e escolinhas de 3 salas, abaixo do mínimo de 4 salas exigíveis para promover o sucesso escolar? Ou antes condenam-se os alunos que as vão frequentar a condições tão deficientes que levarão a uma maior fuga dos filhos com meios para as melhores escolas e a uma desigualdade cada vez maior.
É necessário promover uma política social e educativa única para todo o concelho, para todas as escolas. A escola pública não pode fazer discriminação. Os poderes públicos têm que dar os mesmos apoios a todos, para que todos tenham a mesma possibilidade de sucesso.
É necessário implementar uma nova rede de transportes escolares que faça a ligação da rede escolar à comunidade que responda às novas exigências e que dê segurança e confiança às famílias dos alunos.
É necessário que se supra a falta de um serviço específico na Câmara Municipal para fazer a implementação e coordenação da política educativa. São necessários técnicos capazes para levar a cabo a intervenção no domínio da alimentação, transportes, apoio social escolar, apoio às actividades escolares e complementares.
È necessário criar uma situação estável, que possa perdurar durante anos e que permita a possibilidade de suportar outras exigências que o futuro nos trará.
Nós estamos de acordo com o encerramento de muitas escolas porque defendemos a existência de cerca de 16 escolas para o 1.º ciclo, semelhantes e bem distribuídas por todo o concelho, respeitando os parâmetros técnicos definidos e conciliando dispersão e qualidade.
Achamos porém que a questão do encerramento ocupou indevidamente o primeiro lugar na pouca e apressada discussão pública. Todas as questões de fundo foram esquecidas e a Câmara escuda-se nisso para fazer o que quer.
Interessava muito mais que todos ajudássemos a construir o futuro. Que isto não fosse visto com a displicência costumeira. Que todos nos interessássemos por esta questão nuclear para o futuro e que merecia muito mais de todos nós.
Esta Carta é a primeira e vai passar. Mas é necessário pensar desde já em a alterar, suprir as suas lacunas, fazer dela um verdadeiro documento de planeamento. É necessário que ela não se vire tanto para o passado mas se vire mais para o futuro.
A abstenção justifica-se porque não podemos estar de acordo com a metodologia adoptada nem com os resultados obtidos. Porque pensamos que este documento não é suficientemente comprometedor. Se as crianças mereciam muito mais de nós só esperamos que elas nos perdoam por se tratar de uma primeira vez.

Obs: Intervenção para o ponto b) da Ordem do Dia da sessão da Assembleia Municipal de Ponde de Lima de 30 de Junho de 2006.

O papel da Câmara na promoção do emprego

O papel das Câmaras Municipais na promoção do emprego tem aumentado sobremaneira nos últimos anos. Nomeadamente nos municípios do Interior e particularmente em todos aqueles que, como nós, são periféricos e depauperados por estarem na transição de um modo de vida secular, mas em declínio, para um modo de vida característico desta emergente economia de mercado global.
As populações acham que os órgãos municipais devem ter um dinamismo que procure contrabalançar as imensas forças que nos são adversas. A actual gestão municipal tem procurado desempenhar esse papel mas, reconheça-se, com pouca eficácia e muita inaptidão.
No caso Lacto Ibérica só se lembrou de cavalgar a causa quando o comboio já ia em velocidade de cruzeiro. Assumiu posições sindicalistas, que na altura lhe ficaram muito bem, mas que têm sido causa da desconfiança de muitos empresários.
À Câmara Municipal não cabe brandir bandeiras que lhe não são próprias. Tanto mais que, anteriormente, face ao monopólio da Agros, tinha deixado fechar postos de recolha de leite e salas de ordenha, sem qualquer contestação.
A Câmara Municipal tinha deixado arrastar a situação corporativa que, na recolha do leite, vinha do antecedente. Não teve qualquer intervenção, sequer de alerta, face ao desmoronar de um modo de vida ancestral.
A Câmara Municipal não preparou a população rural para os desafios que já se adivinhavam. Pelo contrário ainda hoje defende o ruralismo. Quando se viu desarmada, recorreu à greve de fome e a tentativas de condicionamento industrial de todo em todo fora de tempo.
A tentativa de entregar a alguém o alvará para fazer seja lá o que for é uma ingerência absurda nos mecanismos próprios do mundo dos negócios que em nada favorece a imagem com que a Câmara Municipal se deveria apresentar.
Também se reconhece que no caso Cobra a Câmara Municipal não poderia ter feito mais e melhor já que era uma causa à nascença perdida. Entendo porém que ela foi usada eleitoralmente quando toda a gente informada já tinha a consciência de que era tudo um bluff.
Todos ficaríamos radiantes se, enfim, chegássemos a ver os nossos irmãos brasileiros a meter uma lança na reserva tecnológica que a Europa mantém sob a tutela americana. E com o nosso contributo ainda mais louvaríamos a iniciativa. Mas, convenhamos, o sonho brasileiro era grande de mais.
No caso IKEA poder-me-ão dizer que quem procurou os proveitos eleitorais terá sido o Sr. Primeiro-Ministro. Também aqui, convenhamos, as coisas senão são aquilo que são, são aquilo que parecem.
O que nós lamentamos é que o Sr. Presidente da Câmara então embandeirasse em arco sem que nada o justificasse. O que nós lamentamos é que o Sr. Presidente da Câmara agora procure criar conflitos institucionais injustificados e manifeste invejas a despropósito.
Se é como o Sr. Presidente da Câmara diz, que já havia contactos com a IKEA desde 1998, a sua actuação só pode ser apelidada de inepta. Teve bastante tempo para preparar as vantagens competitivas que pudessem garantir o sucesso em confronto com as outras hipóteses aventadas.
O Sr. Presidente da Câmara, quando se vê apertado, atira para qualquer lado à espera que à culpa alguém a agarre e, coitada, não morra solteira. Convoca as televisões, sempre ávidas de escandaleiras, e lá vão mais uns flashes.
Parte-se do velho princípio de que se a imprensa dá importância ao caso é porque ele a tem. O povo está disposto a acreditar sempre no que vê na televisão.
Mas a Câmara Municipal tem de mudar de estratégia se quer atrair alguma coisa palpável para Ponte de Lima. O exibicionismo que se criou à volta de Ponte de Lima não é favorável, a não ser para que surjam novas ”Lauras” na televisão.
Os jardins são magníficos mas, mais do que para nós, servem para que os empresários de Paredes ou Felgueiras digam aos seus empregados que melhor que as Caraíbas é passar um bom fim-de-semana de geleira e farnel em Ponte de Lima.
O rio é magnífico mas, mais do que para nós, serve para que os de Gondomar façam nas suas margens toda a sua vida nos dois dias que têm para esquecer as dificuldades do trabalho que a eles ainda lhes vai chegando.
A paisagem é bela, mas, mais do que para nós, serve para que quem vive cinco dias da semana entre prédios, transportes e televisões venha desanuviar a vista e reconciliar-se com a natureza.
A vila é bela mas, mais do que para nós, serve para que quem nas nossas metrópoles se afadiga em todos os dias de trabalho possa deambular calmamente sem atropelos, sem destino e sem custo.
Isto não constitui qualquer vantagem competitiva para nós. Temos de as desenvolver por outro lado. Temos de ser transparentes na gestão dos parques industriais. Temos de ser atractivos e criar condições para a instalação de qualquer indústria de modo não poluente.
Não podemos estar agarrados a velhos chavões do passado. A nossa agricultura continua a definhar sem capacidade de criar produtos vendáveis. A nossa indústria tradicional ligada à agricultura ou floresta desapareceu. Agarramo-nos ao comércio mas até aí a feira nos leva a palma.
A nossa estratégia não pode passar só por oferecermos um pretenso paraíso aos outros. Isto até já foi muito mais bonito e harmonioso antes da televisão ter descoberto a sua beleza. Já não é garantido que se consiga manter por muito tempo o que resta. A sua harmonia derivava da nossa ligação à natureza e esta está em evidente perda.
A nossa estratégia não pode passar só por aquilo que sabemos fazer há séculos: sermos eternos exportadores de mão-de-obra. Mais do que um sítio magnífico de nascimento e passagem queremos que Ponte de Lima seja um centro de vida e possa garantir o sustento de quem cá deseja estar.
Não queremos que Ponte de Lima seja uma Vila só de reformados e contemplativos.

Obs: Intervenção para o período de Antes da Ordem do Dia da sessão da Assembleia Municipal de Ponde de Lima de 30 de Junho de 2006.