sábado, 29 de abril de 2006

As dúvidas sobre as contas camarárias

Importa aqui falar daquilo que se não cumpriu e daquilo que se cumpriu menos bem.
Mas desde já, convenhamos, é de manifestar o nosso desacordo com uma das três vertentes estratégicas e o pouco cuidado com que são tratadas as duas outras que têm o nosso apoio.
Sorrateiramente, ou mesmo à vista de todos, o nosso ambiente e o nosso património vão sendo vítimas de algumas agressões, resultado do desleixo dos agentes que por eles deveriam velar e não me estou a referir em particular à Câmara.
Quanto à ruralidade esta já se esvaiu. Não foi ainda substituída pelo desenvolvimento, nem sequer por uma rusticidade que aproveite do seu espólio as características a preservar.
A ruralidade mantém-se apenas mercê do ruralismo, teoria que mais não é do que a defesa do melhor para uns e do vegetar para uns tantos que deverão lá continuar para dar colorido à paisagem.
Nós defendemos o desenvolvimento com defesa simultânea dos valores culturais adaptados às novas condições de vida e não com a sua sobrevivência artificial em ambientes fechados do tipo reserva de índios.
O diagnóstico está feito, vejam lá, até pela Câmara Municipal no ponto 6 do seu relatório de gestão. Mas que foi feito a nível de requalificação e valorização patrimonial, ambiental dos núcleos rurais, salvo em Vilar do Monte e Cabração.
Tristemente estas nossas duas aldeias são as únicas presentes no projecto de aldeias de montanha, quando temos o Cerquido, a Vacariça, Vila Chã, Armada e a Boalhosa, muitos outros lugares perdidos na montanha cujo habitat deveríamos preservar, sem os tornar em museus mortos e ao mesmo tempo sem permitir intrusões indevidas.
Quando a Câmara diz que a atractividade de Ponte de Lima se baseia na preservação ambiental, na beleza das paisagens e na qualidade dos seus espaços públicos está-se a direccionar para áreas em que poderemos discutir.
Mas, a não ser à volta da Vila, onde estão esses espaços públicos e com público. O desenvolvimento de pequenos centros urbanos, devidamente dispersos pelo concelho, não podem ficar pela cosmética mas tem de passar por um investimento mais vasto, uma intervenção mais profunda, um incentivo à fixação, ao comércio e aos serviços.
O desenvolvimento não se faz com mais uma feira, como na Gandra. O desenvolvimento faz-se criando infra-estruturas, desde logo desde as mais básicas, como a água e o saneamento.
Mas também com estruturas mais complexas que permitam às pessoas sentirem que, por tudo e por nada, se não têm que deslocar a outros centros urbanos de maior dimensão.
O desenvolvimento faz-se também permitindo pequenas indústrias, de preferência artesanais e não poluentes fora das zonas delimitadas para a indústria e que permitam trabalhar perto de casa.
Ponte de Lima tem de ser em primeiro lugar atractivo para quem cá está, depois para quem quer para cá vier e só por último para quem está de passagem.
Aquela da Vila Florida extensível a todo o concelho parece que quer fazer de nós todos jardineiros para turista ver. Eu não me importo de ser jardineiro da minha rua, mas para que eu e os meus vizinhos usufruamos da sua beleza, quer haja ou não turistas de garrafão.
Mas para a maioria das pessoas, como é evidente, a necessidade está antes do gosto e não vão poder assumir compromissos destes. De qualquer maneira o gosto também se cultiva e a Câmara, os poderes políticos, os meios de comunicação deveriam fazer algo diferente de fornecer gosto aos pacotes de mau gosto.
Sem aderir ao ruralismo, defendo que a harmonia que ainda possa sobreviver no nosso meio rural, seja preservada quando possível embora reconheça que a capacidade e os meios são poucos. O que nós não podemos é dar cobertura à política de vícios privados e de públicas virtudes.
A ideia de integração de miradouros na nossa paisagem não pode passar sem nos lembrarmos da delapidação do Monte da Madalena. Nem pode consistir numa simples instalação avulsa de umas tantas mesas de granito cortado à serra e de uns bancos toscos sem correspondência às mais elementares regras da ergonomia.
Desculpar-me-ão os Srs. Presidentes de Junta mas no geral faltar-lhes-á o gosto, mas, acima de tudo, faltar-lhes-á o acompanhamento dos serviços técnicos e a cultura estética de quem tenha uma visão de conjunto e preze a harmonia.
Também aqui é necessário integrar os miradouros em circuitos, em redes de bens a oferecer e que permitam que alguma coisa fique como mais valia na terra. O Sr. Valentim Loureiro não nos paga para recriar de borla os seus súbditos que nos afogam no fim-de-semana.
Quanto a números estamos quase falados. Se a Assembleia não usar os poderes que os pontos 2.9.7 e 2.9.8 do POCAL lhe conferem, o que estamos aqui a fazer é um puro exercício de diletantismo.
2.9.7 – A Assembleia Municipal pode estabelecer dispositivos, pontuais ou permanentes, de fiscalização que permitam o exercício adequado da sua competência.
2.9.8 – Para efeitos do previsto no número anterior, a Câmara Municipal deve facultar os meios e informações necessários ao objectivo a atingir, de acordo com o que for definido pela Assembleia Municipal.
De qualquer modo direi que é imperioso destrinçar cabalmente as verbas agrupadas na conta 07.03.03 – Outras construções e Infra-estruturas no valor de 5.546.671,35 € de compromissos assumidos.
Direi da necessidade de definir critérios não discriminatórios para atribuição dos subsídios que vão para a conta 04.07.01 – Instituições sem fins lucrativos e da destrinça desta conta pela natureza da função social.
Direi que os 801.716 € para melhoramentos de iniciativa das freguesias só ficam mal por se tratar de ano eleitoral. Entendo que esta verba deve mesmo aumentar no ano em curso.
Malgrado direi, em público o que a Câmara diz em privado, que há juntas que gastam o dinheiro casuisticamente sem qualquer plano ou perspectiva e em iniciativas de gosto duvidoso.
Por outro lado há juntas que pretendem trabalhar, fazendo coisas com pés e cabeça, como a de Arcoselo, e não merecem qualquer apoio.
Realcemos alguma coisa de positivo: o empenho na valorização da rede escolar. Mas realcemos também a prevalência da cultura do medo. Não se dialoga para não dar “maus” exemplos, para não criar precedentes perigosos.
Privilegia-se a teoria do julgamento final, tão do agrado dos nossos autarcas. A nossa actuação, e em particular a minha, nunca se pautarão por dar ou não dar para este peditório. Vamos contribuindo, permanente e insistentemente, para o bem geral.
Quanto à receita, gostávamos de saber, mas desconhecemos, onde estão lançados os proventos amealhados pelo Jardim dos Labirintos. Também realçamos o fraco contributo da feira e mercados para o orçamento (382.999,05 €).
Em relação aos contratos realcemos o valor de 267.478,69 € referentes a três contratos com a firma J. M. Carvalho Araújo – Arquitectura e Design Lda. para o projecto da Feira do Gado e zonas envolventes, projecto do qual discordamos em absoluto mas que nos parece dever ter sido realizado por um só contrato e por um preço mais módico.
Quase para acabar referia a deficiente identificação dos terrenos comprados, tanto nas Contas como no Inventário, quanto à sua dimensão e localização.
É preciso um grande exercício de imaginação para conseguir chegar a alguma conclusão. Com esta maneira de abordar as questões não se podem analisar devidamente os méritos ou deméritos das aquisições. Mesmo sabendo que bons negócios também os há, não dá sequer para fazer elogios se fora caso disso.
Perguntarei, por último, se está alterada a filosofia das Lagoas que era de preservar o ambiente, o habitat e o uso costumeiro da terra por parte dos seus possuidores, ou criar um grande latifúndio, sorvedouro de dinheiro, paraíso dos infestantes que continuam a proliferar?
Vamos mesmo esquecer as vacas que outrora pastavam nas tapadas da veiga do Rio Estorãos e dedicar todo o nosso amor às esbeltas lontras que, sem segundos sentidos, por lá vão andando?

Obs: Intervenção para o ponto c) da Ordem do Dia da sessão da Assembleia Municipal de Ponde de Lima de 29 de Abril de 2006.